Advento - a Esperança do Encontro: NATAL!
Neste tempo de advento, o Dezembro dá os primeiros passos pela rua
enregelada, leva-nos pela mão para o conforto dos centros comerciais ou
acomoda-nos no aconchego da sala, defronte do lume, para quem tem tal privilégio.
Também nos leva para a friura da noite, ao encontro do enlevo familiar, num qualquer convívio que brinda à amizade, a percorrer os asfaltos cintilantes, cheios dum brilho que nos alegra ou ofusca a míngua e a desilusão de quem lá
vive...
É este o tempo, dum mês derradeiro, dum frio pardacento, que nos ilumina o destino,
apesar da geada no caminho, que nos ajuda a preparar um novo nascimento, mesmo
que no fundo, na miséria que somos, nem sempre procuremos esse calor que vem
de Jesus.Mas Ele é insistente, volta todos os anos, com paciência, esquecido da nossa indigência, por tudo o que mais reluz, dá prazer ou diversão.
E o que seria de nós, se num ano Ele deixasse de nascer, se se calasse a melodia desta quadra, o brilho da estrela não se mostrasse, se enfim por nós desistisse, aquele Jesus recém-nascido?!
Preparemos então, mais uma vez, esta caminhada, de olhos postos no firmamento, de olhar complacente no horizonte, afinal, se Ele não se interessasse por nós, quem nos renovaria a esperança do encontro e da vida!
Por um destes dias de manhãs gélidas, com o sol a beijar a vidraça, distante que o trabalho clamasse pela minha espera, dei-me a conhecer ao escritor Fialho de Almeida, que veio ao meu encontro através do sedutor retrato duma cidade, me revelou o encanto de Lisboa no esplendor da sua prosa!
"Faz frio.
Já as
primeiras lamas deixam sobre os asfaltos, a pegada febril do transeunte.
Docemente
veladas de nuvens, as noites vêm rápido logo ao cair das trindades, após um
curto crepúsculo, onde as primeiras brumas de inverno se esfarrapam.
Os cafés
enchem de claridades os vidros dos portais, fecharam as fábricas e as modistas,
e eis uma população laboriosa que se atropela e precipita, numa avidez de
liberdade, resfolegando os primeiros haustos de ar enregelado.
Da barra vão
subindo vagarosamente uns leves chuviscos: o ronronar da cidade cresce e
descrimina-se em ruídos múltiplos, e é a hora dos estudantes ociosos colherem
no ocaso das ruas a amarga flor de uma aventura.
Um a um os
lampiões acendem em fúnebres fileiras, os garotos apregoam jornais e os
cauteleiros, cautelas: sob as árvores das praças, ao longo dos passeios marginais,
escuros formigueiros de gente vão e voltam, fosforentes os olhos, os gestos
torturados de inquietação.
As
iluminações aumentam nas janelas das casas, há moribundos brilhos discretos de
cadeeiros, sombras que se desfazem, correndo na brancura dos stores e das vidraças.
Às esquinas
dos prédios ou no boqueirão de treva de um arco, fazem-se remoinhos bruscos de
transeuntes, como se aquelas criaturas andassem automáticas, desinteressadas,
pedindo ao acaso da rua uma emoção.
Por cima dos
prédios, sossego! O céu ganhou uma cor de nanguim lúgubre e morta, sem
estrelas, zebrada com farrapos de névoa, donde goteja o tédio em pérolas letais,
e os olhos veêm os cocurutos dos prédios apagarem-se num vago…
Vista do
cimo dos montes, a essa hora, a cidade perdeu completamente a configuração
burguesa que havia à luz, do sol, para tornar-se numa indefinida necrópole de
assustadoras perspetivas, que vem duma banda engastar-se na curvatura do rio!"
Fialho de Almeida, nascido em 1857, na pequena Vila de Frades, veio a falecer em Março de 1911, na povoação vizinha de Cuba, para onde foi morar no findar da vida.
Entre a pacatez dos primeiros e dos últimos anos no Alentejo, habitou em Lisboa, desde os 14 anos, testemunhando a transição do século, empregado numa farmácia, mais tarde diplomado em medicina, profissão que não exerceu por se haver dedicado, de corpo e alma, à literatura.
Destacam-se na sua obra, Lisboa Galante, a Cidade do Vício, entre outros livros, que retratam de forma pormenorizada e autêntica, com uma descrição fulminante e poética, os vários aspetos e episódios que naquela época, na capital, contemplava, como é exemplo este breve excerto.
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