Antes de sermos de alguém!


O que dizer sobre adoções, à margem da licitude, duma envolvente complexidade de sentimentos e afetividade social
A família, como alicerce emocional, vai sofrendo preponderância, consoante a extensão ou valorização da sociedade.
Lares numerosos ou vulneráveis, quase sempre por ausência de planeamento ou condições adversas, favorecem a exclusão infantil, mas em paradoxo, podem vir a suscitar altruísmo ou felizes ambientes parentais!

Não quero alongar-me muito sobre este assunto tão obscuro e abrangente ou dar qualquer tipo de lição, somente falar sobre o livro Antes de Sermos Vossos, que versa o escândalo que abalou a América sobre uma controversa rede ilegal de adoções de crianças, quando em 1950 foi detetada no estado do Tennessee.
Claro que a conceituada escritora Lisa Wingate, inspirada nesta história, concebe um enredo esplêndido, entre famílias distintas, através de relatos intensos e emotivos, com vidas que se misturam com a realidade, convergindo num fim harmonioso e de eleição!

Os capítulos vão alternando entre os relatos presentes da jovem mulher, Avery, promissora advogada, filha dum senador, e sua avó, Judy, no passado, enquanto menina que é raptada com os seus quatro irmãos… 
Esta história, de tão conturbada como ternurenta, retrata muitos episódios verídicos e espelha muitos dos sentimentos familiares e sociais que se constroem e vão moldando a humanidade…
Eis um pequeno excerto retirado do livro, qual cativante biografia, quando já na velhice se consegue saborear, com o discernimento possível, a deliciosa incerteza que provém da vida apaixonada e intensa:
A nossa história principia numa noite sufocante de agosto, num quarto branco, onde uma só decisão fatídica é tomada no meio da irracional devastação da dor.
Mudaria eu o curso das nossas vidas, se pudesse? Teria eu passado os meus anos a dedilhar melodias num barco de diversão, ou a revolver o solo como mulher de um agricultor, ou à espera dum barqueiro do rio regressar a casa do trabalho e instalara-se a meu lado junto de uma pequena lareira acolhedora? Teria eu trocado o filho que criei por um filho diferente, por mais filhos, por uma filha que me confortasse na velhice? … Teria eu desistido dos maridos que amei, dos netos que vivem lá longe, mas que têm os meus olhos?
Pondero tudo isto sentada num banco de madeira, de mãos dadas com Judy, as duas gozando em silêncio mais um dia das irmãs!

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