Amar Amália!


Amália foi um dos maiores vultos do nosso país, se Camões foi o erudita que enobreceu e elevou os feitos e a cultura lusa, foi Amália que deu voz ao sentimento português. A beleza enalteceu a façanha, mas foi a sua arte e talento que entrelaçaram o seu destino com Portugal…
 
Amália disse um dia “A minha vida é tão grande, que era difícil caber num livro”. Todavia Rosa Louro conseguiu fazer um bom trabalho, escrevendo a sua história, em mais de 500 páginas, nascida em 1919, foi desde o ano de 1939, quando na flor da idade, já com 20 anos, começou a sua carreira artística, até ao dia do seu desaparecimento a 6 de Outubro de 1999.
Nas últimas palavras em público, a poucas horas do fim, veio à tona a sua personalidade e simplicidade, irremediavelmente introvertida, em cima do palco, onde esteve quase na totalidade da vida, dirigiu-se assim a todo o Portugal, em jeito de gratidão e despedida “Muito obrigado, bem-hajam! Eu sou tímida…, doentiamente tímida, não sou capaz de estar aqui a falar muito tempo…, tenho vergonha! Beijinhos a todos e muito obrigada!”

Mas recuemos alguns anos, aos primeiros esboços da carreira, quando a guerra trouxe muitos foragidos a Lisboa (1939), e logo após o seu término (1945), crucial para a sua projeção internacional, na brilhante representação que teve, no espetáculo que então foi promovido pela América, levado a cabo em vários países europeus…
Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que a recebi

É meu e vosso este fado
Destino que nos amarra
Por mais que seja negado
Às cordas de uma guitarra

Nesse início, foi cantando em casas de fado, contracenando no teatro, aparecendo em alguns filmes, e se ela desejava ter sido uma atriz afamada, tinha fascínio pelo cinema, desde menina quando ia ao Eden com os irmãos, seguia a carreira dos ilustres protagonistas, Cantiflas, Julie Garland e Fred Astaire, mesmo assim, veio a participar numa das peliculas com mais sucesso em Portugal, Capas Negras  e até de um filme francês, Amantes do Tejo, com atores de renomeada.
Anthony Queen, também quis conhecê-la, depois de ouvir a sua música, tornou-se seu amigo e chegou a desafia-la para projetar o sonho de ser uma atriz conceituada, mas tal convite nunca se viera a concretizar…

Marcada desde a adolescência por uma precoce e turbulenta relação amorosa, aliada, mais tarde, à mediática exposição, nunca se proporcionou ancorar numa relação mais firme e arrebatadora. Claro que se apaixonou, mas foi num envolvimento mais maduro e duradouro, já com 40 anos, intensos e vividos, cheio de aclamações, conhecedora dos públicos e culturas mais diversas, das figuras mais influentes do meio artístico e social, em especial em França e no Brasil, mas também no México e na América, que veio a contrair matrimónio. César, que conheceu no Rio Janeiro, foi o eleito para partilhar consigo o resto da vida.

Era sempre com saudade que retornava ao seu cantinho natal, à sua casa, depois de viajar pelos lugares mais recônditos: Israel, Líbano, Rússia, uma digressão por Angola, cidades italianas, mas os locais de culto foram Paris e Rio de Janeiro e, por algum tempo, a cidade do México e Nova Yorque. Talvez por isso gostava da vida ao ar livre, fora da muralha da cidade e das lides caseiras, gostava de acampar, dos serões prolongados em conversa com amigos, talvez como forma de compensar a sua faceta solitária e de introspecção.

Levou uma vida de entrega e interpretação, preenchia o seu ego com as eloquentes ovações, estabilizava a sua faceta social rodeada das pessoas de sua estima e para fugir ao seu fado, talvez triste, prosseguia sempre à procura dos espetadores, consequente excitação e tranquilidade…

Assim foi em Portugal, depois do sucesso avassalador no estrangeiro, ainda teve os concertos e as condecorações que merecia na sua pátria, para atenuar a angustia que sempre sentia quando se lembrava da sua história de vida e da sua humilde condição.
Eu vivo lá longe, longe
Onde passam os navios
Mas um dia hei-de voltar
Às aguas dos nossos rios

Elevou o fado a uma categoria de excelência, pela sua autenticidade e dimensão lírica, deu musicalidade aos poetas, pela difusão e envolvência coletiva, pela emoção incomensurável com que retratava a alma dum povo, o sentimento sublime com que sabia distinguir cada individualidade.  

Agora que já fiquei a conhecer mais um pouco da sua história, obrigado Amália!

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