Tenho em mim todos os sonhos do mundo!
Nascido em 1888, no seio de Lisboa, a 13 de Junho, Fernando António Pessoa, viria a ficar orfão de pai e duma nfância feliz, com 5 anos, quando viajou, com a refeita família, para a Africa do Sul. Foi lá, que veio a consolidar a sua personalidade e uma erudita formação académica, antes do regresso a Lisboa, pelos 16 anos, para retomar o rumo à sua vida, sempre discreto, virado para a introspeção e ágil atividade intelectual.
Foi seguindo o lema: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.", vagueando por uma vida simples e anónima, que se veio a tornar um grandioso poeta, deixando uma arca cheia de mensagens eloquentes, escritos intensos, cartas e poemas; mesmo que não tivesse redigido de forma avassaladora a sua vida, foi ambicioso sem o querer, deixando o seu nome ligado à história de Portugal.
Neste Livro, Rosa Louro, descreve com intimidade o autor, leva-nos perto do seu agir e pensar e quase vivemos a sua
história... Eis um excerto, quase no final das 600 páginas, que (auto)retrata o seu carácter
e saber:
Fiquei sentado sendo espetador da vida e fumando os meus cigarros, mas nunca estive confortavelmente sentado.
Abri o olhos e, sem saber, fitava o teto em branco e cinzento e por momentos pensei que poderiam ser nuvens ou então as cores da lua, erguida em isolamento, faltava-lhe, contudo, aquele ar de prata, a frialdade da distância.
A ausência de sentir deu lugar a uma sensação de inquietude. Abri os olhos depois de ouvir o meu nome, perante a invisibilidade do branco, dito pela minha irmã no fundo da cama, acrescentando que me tinha encontrado desmaiado e sozinho em casa.
Eu era aquela ponta do telhado que o luar não ilumina, que fica na escuridão profunda, como a de um poço sem fundo, de um abismo, como a de um… era assim que me sentia naquela cama do hospital.
Virei-me para o médico que entrou a dizer “senhor Pessoa”, com o branco da bata envolto do restante branco sujo, o estetoscópio caído no peito brilhava como a primeira estrela que brilha no firmamento, e sentenciou “Um cálice mais de aguardente e será o fim!”.
Aqueles olhares sobre mim diferentes do habitual avivaram a minha impressão de intruso na família, de estrangeiro, uma plateia amorfa que me anunciava o fim, não fora a chuva a fustigar a janela, confundida com as lágrimas de Teca, a dar alguma vida ao lugar.
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angustias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas que a própria vida.
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente
E demoradamente é nossa e nós…
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas…
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho porque a vida é nada!
Sempre prezei a liberdade de movimentos, ainda que estes fossem brandos e poucos, trabalhar sem horário, conversar toda a tarde, à mesa de um café, o local mais íntimo de mim que consegui compartilhar com os outros, e trabalhar a noite toda se a insónia não me estorvasse as ideias."
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